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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Crossdresser: Uma questão de gênero


No Carnaval é comum encontrarmos homens travestidos de mulher, ou “montados”, como se diz atualmente. Alguns blocos carnavalescos assim se popularizaram e muitas pessoas consideram normal e divertido ver um “bigodudo” de colombina ou noiva grávida.

Na festa do Rei Momo, quebrar os rígidos padrões de moralidade pode soar divertido e contagiante. Mas na vida real não funciona assim.

Pessoas que rompem esses padrões como forma de expressão ou para a realização de fantasias são consideradas pervertidas e anormais e, fatalmente, serão discriminadas pela maioria.

O que pouca gente sabe é que um CD ou Crossdresser (“vestir-se ao contrário”) não o faz porque é homossexual, nem tampouco transsexual. Seu comportamento quebra a rigidez do que é socialmente aceitável quanto à expressão dos gêneros masculino ou feminino no que se refere ao vestuário.

Lembrando Pepeu Gomes na música Masculino e Feminino “Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino”, esse pensamento talvez seja o grande diferencial de um Crossdresser, já que se apresenta ao público com o vestuário do sexo oposto ao seu sexo bio­lógico sem, no entanto, perder sua masculinidade.

Então um Crossdresser pode gostar de mulher? Sim, perfeitamente. Algumas CDs podem se descobrir transsexuais, mas muitos homens transgêneros se casam com mulheres e são ainda mais realizados quando aceitos por suas esposas. Quando isso acontece, eles contam com o apoio de uma S/O (Supportive other, ou supportive opposite), ou seja, pessoa do sexo oposto que dá suporte ao CD.  Se sua orientação sexual for hetero, o fato de gostar de se vestir de mulher não o fará sentir-se atraído sexualmente por homens.

Concluindo: as práticas sexuais de um homem que se veste de mulher não estão diretamente relacionadas à prática Crossdressing, podendo ele ser heterossexual, bissexual, ou assexual.

No que diz respeito à prática Crossdressing propriamente dita, ela também varia de acordo com a realidade de cada um. De forma ainda minoritária, alguns CDs saem literalmente do armário, andando pelas ruas sem se preocuparem com as convenções sociais. Mas outros, em sua maioria, por motivos profissionais ou por questões familiares, não tornam a prática pública e, por essa razão, procuram os espaços destinados para tal, ou eventos promovidos por instituições como o BCC – Brazilian Crossdresser Club, que completou recentemente 15 anos de existência.

Em alguns casos, a intervenção ou mudança corporal acontece, levando a CD a buscar recursos que possam traduzir a sua feminilidade, como depilação, unhas postiças, maquiagem, saltos e meias calças, perucas e, quando se revelam transsexuais, recorrem às cirurgias feminilizantes ou hormonização.

Nos dias atuais, os discursos voltados à construção de uma sociedade mais justa,  democrática e que respeite as diferenças tem aberto espaço às minorias sociais, sobretudo aos estigmatizados, permeados de preconceitos e visões estereotipadas das pessoas, já que o modelo social esperado não corresponde aos seus atributos incomuns.

Mas, o que pode parecer um surto de modernidade nos dias atuais, apenas ressurge sob uma nova perspectiva, já que há relatos sobre essa prática na Antiguidade e Idade Média.

No século VI, na China, foi composto o famoso poema narrativo chinês, Balada de Mulan. Nele, conta-se a história de uma jovem que se disfarça de guerreiro para ingressar no exército.

Em nossa história, temos o exemplo de Maria Quitéria de Jesus ou Soldado Medeiros que, vestida como um homem, alistou-se no Regimento da Artilharia e tornou-se heroína da Guerra da Independência. Casou-se e teve uma filha, não sem antes receber as honras de 1° Cadete.

Considerada umas das precursoras do feminismo, George Sand era o pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin. Vestia smoking e fumava charuto, sendo a mais importante romancista francesa de sua época. Envolveu-se amorosamente com homens e mulheres, além de ser militante política.

A prática Crossdressing tem sido amplamente retra­tada em filmes, peças teatrais e na literatura, além de despertar a investigação científica de quem se interessa pelo estudo do comportamento sexual humano.

Eliane Chermann Kogut, em sua tese de doutorado em Psicologia Clínica/PUC-SP, intitulada Crossdres­sing Masculino- Uma visão Psicanalítica da Sexualidade Crossdresser, resume bem essa lacuna, ainda latente em nossa sociedade, afinal continuamos sabendo bem pouco sobre o universo Crossdresser:

“Por ora os crossdressers tem mais a nos ensinar, do que nós a eles. Mostram-nos que a diversidade de entrecruzamentos, de identidade e de identificações estão presentes nas mais variadas combinações e intensidades em todos os seres humanos. Além disso, vemos como os Crossdressers jogam por terra as nossas definições estritas sobre a sexualidade”.

5 comentários:

  1. Muito Bom o texto...
    É sempre bom algo esclarendo o que é algo mais comum do que se imagina, mas ainda discriminado pela sociedade, por não saber do que se trata... e confundem com Orientação Sexual.
    Um detalhe apenas a se comentar... o tal BCC, não é uma instituição, é apenas um site e um grupo de pessoas que praticam o crossdressing... pois não há endereço e nem nada...
    Locais, somente dois, um funciona na Boate Queen, em SP... e um Clube de Crossdressing (assim denominado) por ser um point GLS/LGBT na Casa UP! Music Bar (Campinas-SP).

    Louis

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    1. Gostei muito do texto tb. Bastante respeitoso e realmente aberto a uma visão desvinculada deste padrão obrigatório de conportamento que existe em nossa sociedade.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Contribuindo mais um pouco, vi um ótimo site sobre a temática, é o Fórum Crossdressing Place (http://crossdressingplace.forumbrasil.net/)....

    É lá que conheci um pouco mais sobre esse assunto.

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